Título: O OLHAR DE VÊNUS, contos eróticos
Autor: Evando Lopes
ISBN: 978-65-88865-11-8
Formato: 14 x 21
Páginas: 146
Gênero: Contos
Publicação: Class, 2020
A NARRATIVA DE EVANDRO LOPES
Eduardo Jablonski
Existem muitas formas de se considerar um conto ou uma novela. Massaud Moisés divide esses gêneros narrativos da seguinte maneira: o conto tem umas dez páginas; começa expondo o problema do argumento, desenvolve alguns obstáculos, gera um clímax e vai para o final. A novela, segundo o ensaísta, mostra os mesmos aspectos do conto, porém com mais personagens, mais obstáculos até chegar à tensão. Portanto a novela abrange um número maior de páginas, talvez umas 70 ou 80. Os dois gêneros andam em linha reta, isto é, cria-se um problema, ultrapassam-se os obstáculos e chega-se ao desfecho. O romance, por outro lado, ainda conforme Massaud Moisés, é onde tudo pode, várias personagens, tensões e enredos se cruzando.
Claro que essa é uma forma de ver o processo de criação literária, e o autor não precisa obedecê-la. Como disse Julio Cortázar, literatura é liberdade, não é necessário copiar os clássicos. Aliás, não se deve fazê-lo. Cada um desenvolveria sua dicção literária e ousaria, ainda que não pretendesse ser um experimentalista.
José Fernando Miranda também dizia que o início do conto/novela precisa apresentar as personagens com rápidas pinceladas, para que o leitor estivesse ciente de com quem iria lidar. Edison Freitas usa esse procedimento na abertura de “Ritos”, caracteriza o pai empresário, a mãe socióloga e escritora, e o filho. Alguns elementos místicos são mencionados por parte de Zack, a personagem principal da narrativa, talvez sob influência da mãe, que também tinha essas tendências.
Zack está num pub. Quando entra uma moça, Aysha, que lhe chama a atenção, o narrador faz algumas comparações que dá um clima inteligente e culto à narrativa. É como se estivesse dizendo ao leitor que ele é esperto o suficiente para entender o que está acontecendo.
“Zack viu naqueles olhos um caminho: “Seria ela a sua mulher das flechas?” Aqui o narrador faz uma pequena incursão pela poesia. Luiz Antonio de Assis Brasil sempre acrescenta uma que outra imagem nas suas narrativas, e isso dá a impressão de colocar o texto em outro nível.
Aysha caminha no bar, Zack e ela se olham, e a moça vai por uma porta. É uma situação mais ou menos corriqueira do cotidiano das “paqueras”. O clima se acende, entretanto, pela forma com que o contexto foi exposto, deixando o leitor em suspenso. O detalhe é que o leitor se encontra apenas no início da quarta página. Isso é altamente positivo. Poucos autores conseguem escrever dessa maneira. Machado de Assis é um deles. Mesmo nos seus romances iniciais, “Ressurreição” (1872), “A mão e a luva” (1874) ou “Iaiá Garcia” (1878), já nas primeiras páginas prende o leitor, e a tensão se avoluma. Porém um clássico do romance de 1930, como José Américo de Almeida, por exemplo, com seu “A Bagaceira” (1928), não alcança essa conquista nem no final do seu livro.
Depois da situação do pub, se passaram dois anos. Ou seja, fugiu da teoria das três unidades preconizada por Aristóteles na Poética. O discípulo de Platão escreveu sobre a tragédia grega e disse que o texto deveria trabalhar três unidades: tempo, espaço e ação. À primeira vista, pode parecer que o teatro não se liga com a narrativa curta, mas Tchekov discordaria, tanto que atuou em ambos, usando os mesmos procedimentos de produção literária.
A teoria das três unidades de Aristóteles se aplica tanto ao conto como ao teatro. Daí se conclui que o gênero literário de “Ritos” não é o conto. Está mais para o romance curto. Machado de Assis publicou um romance de reduzidas páginas em jornais da época, 1885, chamado “Casa Velha”. Não saiu em livro enquanto Machado vivia (1839-1908). É por essa senda que vai “Ritos”, de Evandro Lopes.
Há uma guinada na narrativa e recomeça com uma mensagem. O gênero romance comporta esse tipo de procedimento. Vários escritores de todas as épocas empregaram o recurso de inserir cartas em meio à narrativa.
Em vários momentos, a personagem Zack mostra uma característica do sexo masculino: admirar a fêmea. Ao que parece, os homens sentem prazer ao observar uma bela mulher, embora Aysha, além de admirável aos olhos de Zack, seja de personalidade complexa, e os homens estão sempre fazendo isso, como Zack no pub e depois na piscina, vendo-a ostentar sua beleza: “Aysha era não somente linda, mas, sobretudo, encantadoramente sedutora.”
A narrativa é feita em fragmentos, um dos pontos da escola pós-moderna. O narrador convida o leitor a preencher “o espaço entre a letra e o espírito” (para usar uma imagem atribuída a Roland Barthes).
Na vida de Zack, tudo parece perfeito: ele é forte, intelectual, escritor, vive numa rica mansão e sua Aysha é uma “deusa”. Mas também percebemos nele, logo de início, os seus conflitos internos, o que nos faz conhecer sua sensibilidade humana.
Roland Barthes também teria dito que, se tudo fosse destruído, mas sobrassem apenas os homens e a literatura, nada desapareceria, porque tudo está em letra de forma. Essa narrativa de Edison Freitas descreve como se faz uma cerimônia tântrica, por exemplo, e nos leva junto a uma transformação que, pouco a pouco, se evidencia em ambas as personagens até o impacto final, deixando ao leitor uma possível sequência da história.
Também descreve um ato sexual como uma Adelaide Carraro. Esse procedimento o afasta dos best-sellers, que evitam entrar em detalhes sexuais. A literatura contemporânea do RS explicita os detalhes íntimos, como uma Paula Taitelbaum, e alguns escritores um pouco mais velhos, como João Gilberto Noll.
O mais importante de um texto – o seu ritmo – Evandro Lopes mostra com perfeição. As frases se concatenam como se fossem um balé de palavras, tudo em harmonia e clareza, o que facilita a leitura e põe o leitor dentro do texto.
Aqui se focou em “Ritos”, mas as narrativas em “Na curva fechada do tempo” e “Uma rodada pela noite” mostram um escritor seguro do seu fazer literário, com as mesmas qualidades do primeiro texto.
Esse livro de Evandro Lopes dará o que falar.
Sobre o autor:
O OLHAR DE VÊNUS ― histórias eróticas ― é o quinto livro em prosa de EVANDRO LOPES. Os anteriores são: PASSAGENS ― 2010; SOL NA TARDE GRIS – Meditações de Outono ― 2018; NA ÍRIS DO SILÊNCIO ― 2019; NOZES QUEBRADAS ― 2019.
Tem poesias publicadas:
DOZE POEMAS PARA TE CONQUISTAR ― 2006; GARATUJAS DE AMOR e suas Complexidades ― 2016; GERMINAL – Poemas por amor à vida ― 2017; JANELAS MÍNIMAS – Haicais — 2020.
Participou da coletânea de minicontos
Outras sem / cem palavras, em 2018.
Todos pela Editora Bestiário, selo CLASS.
Evandro Lopes – WhatsApp – 99200 5024
eddybfreitasbel@gmail.com.